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NEGRITUDE HUMANA, HUMANIDADE NEGRA

Não é difícil admitir ou concordar com a unidade da espécie humana. E não serão mais tantos aqueles a duvidarem de que todos somos igualmente capazes, desde que tenhamos gozado das condições para a realização de nossas potencialidades. Onde residiria, então, a perplexidade diante do avanço da apresentação da negritude enquanto forma de identidade e alteridade humana? Diria um interlocutor: já não são humanos os negros? Assim, soaria exagerado dizer que a humanidade é negra. Além do mais, ninguém está dizendo que a humanidade é branca... então, seria ostentação afirmar continuamente o traço diferente.


Os negros não querem ser iguais? Pois então, a insistência e a provocação de falar nisto a toda hora não seria racismo dos negros? Não seria o caso de o negro se acostumar com a pertença ao conjunto dos cidadãos numa sociedade democrática? Não acabou a escravidão? Para que, então, acentuar a cor? Em vez de aceitar essa incorporação como uma dádiva ou como um reconhecimento, os jovens e adolescentes negros querem não apenas que a negritude seja reconhecida como humana, mas também que a humanidade seja reconhecida como negra.


Tocamos, aí, o cerne do problema da relação entre o homem branco, ocidental, de matriz religiosa e filosófica judaico-cristão, e o outro. Que outro? Importa pouco. O outro. O outro sempre foi o outro de mim. Mas agora vem o outro e me diz que eu sou o outro dele... Ao homem normalmente senhor, acostumado à perspectiva de simplesmente ser o ser humano, como uma prerrogativa decorrente da natureza e, quem sabe, garantida por Deus, causa estranheza que sua situação seja considerada uma condição pelo outro. Mesmo que tenha estendido a mão para que o outro ocupasse o segundo lugar no podium, ele sempre ocupava o primeiro. E vem o outro sorridente, agressivo, desafiante, irreverente, marcar presença de sua diferença na própria afirmação da igualdade.

Para que, a esta altura, afirmar ostensivamente a bondade, a beleza e o valor do fenótipo negro? Trata-se de desconstruir simbolicamente o argumento da dominação. Tanto é importante a cor que a diferença na cor orientou a redução ao cativeiro de milhões e milhões de africanos. Tanto é importante que nunca precisamos, no Brasil, de uma legislação que desse conta dessa assimetria, extinto o estatuto do cativeiro. Ela se plasmou, em grande medida, nos termos da apreciação da diferença na cor. E não se pode superar essa condenação sem a vaidade, orgulho e ousadia de ser negro.

Ao leitor perplexo diante da ostentação da beleza negra da humanidade, eu diria: como então não estranhaste quando te disseram que a humanidade negra é bela? O que estranhas é ouvir que a beleza humana também é negra. A primeira afirmação não destronou, na tua cabeça, a proeminência da beleza branca da humanidade. Afinal, essa beleza nem precisava ser afirmada enquanto cor... bastava ser branca e soberana.

Ora, da mesma forma como a hierarquização da cor organizava, esteticamente, a assimetria entre os coloridos, é preciso agora reverter essa hierarquização para que possamos, todos, vislumbrar a beleza da pele. Das cores da pele. Gente tem cor. Pobre Ocidente, tão racionalista e disciplinado, que empreendeu tanto esforço em se descolorir, em se desodorizar... agora, teme que a insinuação vigorosa das cores humanas possa evidenciar sua face sombria.

TEXTO : Milton Moura - sociólogo e professor da UFBA



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