O SAMBA NASCEU NA BAHIA? DIGA, SINHÁ !

Penso que mais relevante do que insistir na polêmica da origem do samba no Brasil é atentar para o fato de que os debates e confrontos públicos em torno disso são reincidentes, porque identidade nacional parece ser um problema sem solução, embora o samba tenha sido acolhido como símbolo identitário, unificador.
Símbolo de identidade, com ampla inserção sócio-cultural, o samba chega a ter desmistificado, no livro O Mistério do Samba, de Hermano Vianna, um ideal de pureza assim como raízes sociais e artísticas. De acordo com este autor, o samba não seria rico nem pobre, negro nem branco, porém brasileiro. A interpretação realizada por Hermano Vianna de qualquer forma é pertinente. Entretanto, a história que o autor reconstitui tem como referência fundamental a cidade do Rio de Janeiro na primeira metade deste século, naquele momento o mais importante centro urbano do Brasil. Quando então um gênero de música popular atinge as camadas médias urbanas do Rio de Janeiro é acrescentado ao debate sobre origem do samba a tensão “morro/cidade”, questionando-se a legitimidade da ascensão social do samba (Bastos, 1995). A tradição inventada (Hobsbawn, 1982) que o autor desvenda, revela o movimento de abastados ou privilegiados brancos se dirigindo ou interagindo com pobres e negros.

Uma polêmica antiga travada entre artistas, pesquisadores, jornalistas, cariocas e baianos é se “o samba veio da Bahia ou nasceu no Rio de Janeiro”. Muitas vezes, realizando um corte de cor e classe, apontando para um determinado lugar sócio-cultural, afirma-se que o samba nasceu no morro, logo subtende-se aí que ele é carioca. Outras vezes, costuma-se defender que formas tradicionais, de aspecto religioso inclusive, como o samba-de-roda baiano, é a raiz de todo este movimento musical.Do mesmo modo se acredita ser o candomblé baiano o oriente para se compreender as demais formas religiosas afro-brasileiras. Neste caso, se torna a verdade a opinião de que o samba é baiano, confirma-se a Bahia como berço repleto de reservas de origem de coisas tão caras ao imaginário nacional.

De fato, esta polêmica questão sobre a origem do samba, periodicamente relocada, desde o nível do senso comum se apresenta através de uma construção sintática que por si só supõe uma resposta, através de dois níveis de compreensão. Falo do vir do samba e do nascer do samba. Ambos os verbos muito próximos, recobrem sutis diferenças. Do que nasce, começa a ter vida exterior e a manifestar-se não se exclui o que vem, transporta-se espacialmente. Mas aquilo que nasce não é exatamente o que veio. O que nasce se constitui. O que vem, procede de. A questão é formulada de modo que se mantenha o interese pelo aparecimento originário do samba, mas que se distingam trajetórias. A questão então se encerraria sugerindo que o samba veio, foi trazido da Bahia, mas nasceu, adquiriu vida exterior no Rio de Janeiro.

Mas isto não basta, a polêmica se mantém, a disputa pela originalidade do samba permanece. Acredito então que tentar responder ou determinar precisamente qual a origem mais recôndita do samba no Brasil me parece um problema inútil, uma questão difícil que envolve paixões, trios, ciúmes e disputas regionalistas. Prefiro me aproximar de Luiz Fernando de Carvalho, no livro Ismael Silva. Samba e Resistência, quando ele diz que a viciosa busca pela autoria no samba brasileiro conduz à nomeação, à reconstituição de condições originais estáticas cujo grande mérito é submeter a linguagem, a força do sentido da realização. E samba é evento fundamentalmente.

Nossa polêmica questão interessa-me como ponto de partida para pensar as correlações sócio-culturais entre a Bahia e o Rio de Janeiro, interessa-me também para pensar a trajetória, as experiências do negro nestas duas regiões brasileiras. Interessa-me, enfim, para pensar um difícil problema que está em jogo aí que é a disputa pela propriedade da síntese de um caráter, de uma identidade nacional em um país tão diverso quanto o Brasil.

Penso que mais relevante do que insistir na polêmica da origem do samba no Brasil é atentar para o fato de que os debates e confrontos públicos em torno disso são reincidentes, porque identidade nacional parece ser um problema sem solução, embora o samba tenha sido acolhido como símbolo identitário, unificador.

Símbolo de identidade, com ampla inserção sócio-cultural, o samba chega a ter desmistificado, no livro O Mistério do Samba, de Hermano Vianna, um ideal de pureza assim como raízes sociais e artísticas. De acordo com este autor, o samba não seria rico nem pobre, negro nem branco, porém brasileiro. A interpretação realizada por Hermano Vianna de qualquer forma é pertinente. Entretanto, a história que o autor reconstitui tem como referência fundamental a cidade do Rio de Janeiro na primeira metade deste século, naquele momento o mais importante centro urbano do Brasil. Quando então um gênero de música popular atinge as camadas médias urbanas do Rio de Janeiro é acrescentado ao debate sobre origem do samba a tensão “morro/cidade”, questionando-se a legitimidade da ascensão social do samba (Bastos, 1995). A tradição inventada (Hobsbawn, 1982) que o autor desvenda, revela o movimento de abastados ou privilegiados brancos se dirigindo ou interagindo com pobres e negros. Acredito que fora do Rio de Janeiro tanto um samba mais tradicional – o samba-de-roda – quanto novas formas de samba fossem produzidas na Bahia.

O Rio de Janeiro é o cartão-postal do Brasil no exterior. Antiga Corte do Império e a primeira Capital da República é a cidade brasileira que mais se expõe. Durante muito tempo foi também a cidade mais desejada e admirada pelos patrícios. Uma parcela significativa de sua população é formada por migrantes de diversos estados do Brasil, inclusive baianos. A Bahia carrega o estigma da alegria, da festa, da terra que “vive pra dizer/como é que se faz pra viver”. Foi a primeira Corte do Império e perdeu o posto para o Rio de Janeiro ainda no século XVIII (1763). Desde então começou a decair economicamente.

Isto certamente contribuiu para que, periodicamente, ngentes de negros baianos, em busca de uma vida melhor, migrassem no início do século para o Rio de Janeiro, fixando-se preferencialmente na Pequena África, como era conhecida uma região localizada no centro antigo e já estigmatizado do Rio de Janeiro, que ia do Cais do Porto até a Cidade Nova (Moura, 1983). Na Pequena África, sob a liderança inconteste de uma negra baiana, filha-de-santo, chamada Tia Ciata e chegada ao Rio em 1874, se reuniam baianos e cariocas ligados ao samba e ao candomblé.

Foi a partir dos anos 50 deste século, com a criação da Petrobrás e mais tarde do Centro Industrial de Aratu e do Pólo Petroquímico, que a Bahia conseguiu reerguer relativamente sua economia assumindo uma posição de destaque no Nordeste brasileiro (Oliveira, 1987; Risério, 1988). Nacionalmente, cresceu também sua importância simbólica. Intelectuais importantes como Roger Bastide, Pierre Verger, Luiz Viana Filho, Edison Carneiro, entre outros, realizaram importantes estudos sobre o negro na Bahia que influenciaram e contribuíram para novos estudos sobre o negro em outras regiões do Brasil, o Rio de Janeiro, por exemplo. Além deles, Dorival Caymmi, na música, Jorge Amado, na literatura, são baianos renomados que contribuíram bastante para isso através de suas obras musicais ou literárias.

Os anos 60, na Bahia, foram marcados por uma intensa produção cultural, com forte e decisiva influência negra, significativa para o Brasil inteiro. Aqui, nos anos 60, se formou um núcleo fundamental do Cinema Novo cujo nome mais expressivo foi o do cineasta Glauber Rocha. Nesta mesma década, músicos baianos criaram o Movimento Tropicalista, marco fundamental na história da Música Popular Brasileira. Mais recentemente, nos anos 80, novos músicos baianos acabaram alterando o panorama do mercado da indústria da música com a difusão nacional de fusões rítmicas rotuladas como Axé Music.

Hoje em dia, na cidade do Rio de Janeiro, mais especificamente no perímetro que se estende do Centro até a Zona Norte, um Rio negro e pobre predominantemente, é possível encontrar visões conflitantes da Bahia, mas todos aqueles que celebram uma cultura negra de modo a adquirir, ampliar e afirmar uma identidade representam-na como mito de raiz. O primeiro bloco afro do Rio de Janeiro, o Agbara Dudu, por exemplo, criado em 1982, no bairro de Oswald Cruz, Zona Norte, tem como padrinho Vovô, um dos fundadores do primeiro bloco afro da Bahia, o Ilê Aiyê.

À maneira das viagens míticas que líderes religiosos baianos fizeram à África no início do século ou líderes de blocos afros de Salvador costumam fazer eventualmente, os fundadores do Agbara Dudu, depois de uma viagem à Bahia, quando então conheceram o Ilê Aiyê, decidiram fundar o Agbara Dudu. Só que, ao contrário do Ilê, que desde o início esteve diretamente ligado ao Carnaval e trocou farpas com o movimento negro organizado (ver Risério, 1981), o Agbara pretendia ser um movimento “contra o Carnaval”.

TEXTO : Ari Lima - Jornal ATarde



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