Caetano estréia turnê com show auspicioso

Jards Macalé é homenageado; repertório de apresentação em Brasília teve a inédita "Amor mais que discreto"

Com um termo nada roqueiro, Caetano Veloso despediu-se do público, de cerca de 3,6 mil pessoas que lotou, na noite de sábado, a Academia Music Hall, na estréia de sua nova turnê: "Viva Brasília! Foi uma estréia auspiciosa para nós". E a impressão de "Cê" no palco, após as 22 cançôes do roteiro, mais os dois números do bis, misturando 11 das 12 canções do disco lançado há pouco mais de dois meses com clássicos de sua carreira, é similar à deixada pela audição do CD.
A ambientação e a abordagem são roqueiras, mas o que se ouve é música no seu sentido mais amplo, e caetânica. Cabe, em quase 1h5Om espetáculo, também samba, frevo, balada, canção, num show que soa realmente auspicioso.

Cenário utiliza pedaços de madeira como móbiles
Cercado dos mesmos jovens e ótimos músicos que gravaram o recente disco – Pedro Sá (guitarra), Ricardo Dias Gomes (baixo e piano Rhodes) e Marcelo Callado (bateria) –, vestindo calça e jaqueta jeans e camiseta azul, com um belo e básico cenário de Helio Eichbauer (um pano de fundo que variava entre o roxo e o vermelho, e tocos de madeira pendurados no alto, funcionando como móbiles, mudando de cor conforme a ituminação), Caetano abriu a noite com as duas primeiras cançôes de "Cê", "Outro" e "Minhas lágrimas". Para depois recriar um frevo de Moraes Moreira, "Chão da praça", e voltar ao disco "Transa", de 1972, com "Nine out of ten".
Ele dedicou a canção, com letra em inglês (e algumas frases em português), aos músicos que participaram do disco – Jards Macalé (que estava rompido com Caetano desde aquela época, alegando não ter recebido então o crédito como produtor), Tutty Moreno, Aureo de Souza e Moacir Albuquerque – justificando que "Transa" teve o mesmo formato de um grupo básico agora retornado em "Cê". Antes de iniciar a canção seguinte, "Um tom", lançada no disco "Noites do Norte", Caetano homenageou o violoncelista e arranjador Jaques Moretenbaum, dizendo que devia a ele a seguranca com que trabalhava com os mùsicos de "Cê".

Show flui bem, apesar de acústica com eco
Depois da gestação no estúdio de "Cê" e de mais de três meses de ensaios, Caetano e banda estão entrosados e o show fluiu bem, mesmo que a acústica da Academia Music Hall tenha jogado contra, com um eco nos momentos mais pesados da bateria e do baixo.
Em "Um tom", a guitarra de Pedro Sá (que consegue ao mesmo tempo uma ambientação etérea e rock ao repertório, com os timbres de seu instrumento) demorou a entrar, e foi preciso a intervenção de um técnico para ajustes. Detalhes que não atrapalharam o todo, num roteiro que alternou antigas e novas canções – como "Um homem velho" antes da recente "Homem" – e uma inédita, escrita nos ensaios para a turnê: "Amor mais que discreto", precedida pela música que o inspirou,"Ilusão à toa", de Johnny AIf.
Para o habitual momento de voz e violão do meio de seus shows, foi reservada apenas a antiga "A voz do violão", de Francisco Alves e Horácio Campos. Ela teve direito à uma longa preleção de Caetano, que lembrou dos comentários irados de leitores do blog do colunista do GLOBO Jorge Bastos Moreno (presente na platéia) no Globo Online a uma entrevista entre o primeiro e o segundo turnos da disputa presidencial, na qual ele disse ter votado em Alckmin no primeiro turno, mas ressalvou que poderia mudar para Luta. Para Caetano, o melhor deles foi : "O pior é agüentar ele tocando violão! ".
O público – cerca de 70% ficaram em pé, em frente ao palco, onde se misturavam jovens, maduros e velhos, muitos cantando junto até as cançôes do novo disco – se empolgou mesmo na seqüência final, que manteve a alternância de novas e sucessos. "Como dois e dois" (que ele escreveu para Roberto Carlos) ganhou vigor em sua roupagem balada-rock; sambas como "Sampa" e "Desde que o samba é samba" ficaram bem em tratamento elétrico, ou híbrido, como o samba "Musa híbrida", um dos destaques do novo disco, com seu andamento quebrado, síncope da síncope. Ele apresentou "O herói", de quilométrica letra, mais falada que cantada, abordando a questão racial no Brasil, sem ler – recurso que usara na prévia do show, em fins de outubro, no encerramento do TIM Festival, no Rio – e quase tropeçou, mas seguiu até o fim. Até a gasta "London, London" rendeu bem, antes de o roteiro fechar com "Fora da ordem" e a recente "Rocks" – que cresce no palco.


Fonte : Antônio Carlos Miguel - O Globo
20 novembro 2006


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